Os leitores que se interessaram pelo meu ensaio "Portugalidade - A Essência de ser Português " (Artigos de Opinião TPN 16-05-2022) vão gostar do conteúdo de um novo livro "Multicultural Mankind" que vai ser lançado este mês pela editora britânica especializada Archaeopress.

Trata-se de uma compilação de dezassete artigos que têm como denominador comum traçar a influência global da cultura portuguesa entre os séculos XV e XX. Cada um deles é apresentado de forma bilingue, com tradução para a língua do país a que se refere. Os temas são diversos, mas os fios condutores da língua e do comércio dominam as narrativas.

O português falado, tal como outras línguas imperiais, foi adaptado a um vernáculo "pidgin" básico em todos os territórios dominados para proporcionar uma comunicação simples para fins sociais e comerciais com os falantes nativos. Só em África, crê-se que existam várias centenas de dialectos baseados em interpretações tribais muito variadas. O ensaio "Uma herança conflituosa: Mas na Ásia, a assimilação do português com as línguas nacionais foi muito mais complexa: o primeiro dicionário e gramática chinês-português foi elaborado em 1583/8 em Guangzhou por missionários jesuítas, a que se seguiram obras semelhantes para as línguas japonesa e coreana.Obviamente, a promoção do cristianismo foi uma força motriz, mas o desejo de intercâmbio cultural exigia um conhecimento mais profundo da língua do que o necessário para o mercado.

O empreendimento dos mercadores portugueses durante e após a época dos Descobrimentos é motivo de orgulho nacional, mas foi muito além da lendária crença de que todos os caminhos para o comércio de sedas, damascos, especiarias e escravos iam do Extremo Oriente a Lisboa. Esta ideia deve ser modificada de modo a incluir as numerosas outras rotas marítimas exploradas pela perícia dos armadores portugueses para portos de ambos os lados do Oceano Pacífico. Esta questão é abordada em vários ensaios, que também fazem referência ao papel desempenhado pelos Conversos, que possuíam e ou tripulavam muitos dos galeões que operavam a partir do centro marítimo de Manila. Conhecidos como "A Nação" ou simplesmente "Os Portugueses", estes primeiros aventureiros mercantes tinham a enorme vantagem de estar intimamente ligados à diáspora judaica, com a sua sofisticada organização de recolha de informações, que constitui a base de um comércio internacional bem sucedido

No que diz respeito às Américas, há apenas dois ensaios: um analisa a "descolonização de artefactos de conhecimento" que acompanhou a expansão para o interior do Brasil; o outro faz um curioso estudo comparativo entre os Yumanos da Califórnia espanhola e as tradições mouriscas de uma comunidade camponesa de Mértola, no Alentejo.

Estes fios díspares foram entrelaçados pelos académicos Marco Valente e Ana Cruz, ambos há muito ligados ao Centro de Arqueologias Transdisciplinares do Instituto Politécnico de Tomar, tendo o Dr. Valente participado em mais de noventa projectos patrimoniais em territórios portugueses nos últimos trinta anos. Ana Cruz, infelizmente falecida recentemente, era uma grande conhecedora das abundantes mamoas do centro de Portugal e, para além de co-editora, contribui com um fascinante artigo intitulado "A arqueologia da morte na região de Abrantes durante a idade do bronze final". Ilustrações das escavações na necrópole de Bioucas-Souto são acompanhadas por fotografias do cuidadoso restauro de uma anta.

A Archaeopress publica a edição completa ao preço de 70 libras esterlinas, o que, tendo em conta o conteúdo pormenorizado, não é irrazoável. No entanto, esta casa empreendedora também oferece ao particular um serviço limitado de acesso aberto, através do qual é possível descarregar um PDF gratuito: detalhes em www.archaeopress.com.

Inevitavelmente, serão feitas comparações com a monumental obra do fotógrafo/historiador Michael Teague, "In the Wake of the Portuguese Navigators", que deve agora ser considerada como um volume de companhia para as estantes de todos os que se preocupam apaixonadamente com a fama de Portugal como um pequeno país com uma enorme influência global na história da civilização.

Roberto CavaleiroTomar, 08 de outubro de 2024