Denominada "Devolutos", a aplicação permite identificar casas e prédios devolutos "e adicioná-los a um mapa", com o objetivo de "construir um retrato o mais fiel possível da vergonha nacional de ter centros urbanos degradados e sem pessoas a viver neles, enquanto se apela a mais construção", disse à agência Lusa Nelson Vassalo, membro do grupo de activistas.

Para este grupo - que inclui designers e programadores - que criou a aplicação, Portugal tem "um parque habitacional subaproveitado ou abandonado", situação que o novo recurso pretende denunciar, numa primeira fase em Lisboa e, posteriormente, no resto do país.

Segundo Nelson Vassalo, o censo aponta para "cerca de 48 mil casas vazias só em Lisboa". O objetivo é "tornar todas estas casas visíveis na app" e contribuir para a resolução da crise habitacional, uma vez que "as cidades são capazes de absorver as necessidades habitacionais da população".

A aplicação Devolutos, que pretende "pressionar a recuperação de imóveis abandonados", está acessível a qualquer pessoa que "consiga fotografar um imóvel devoluto e associá-lo à sua localização geográfica". A aplicação está disponível gratuitamente para dispositivos Android e iOS e em versão web, no site www.devolutos.com.

"Ilegal"

O que parece simples para o grupo, para a Associação Nacional de Proprietários de Imóveis, a aplicação é "ilegal", uma vez que "ninguém pode fotografar (...), publicitar ou divulgar" propriedades privadas "sem o consentimento do proprietário", disse à Lusa o seu presidente, António Frias Marques.

Admitindo "intentar acções judiciais contra os prevaricadores", o representante dos proprietários alertou: "isto não vai acontecer com voluntarismo" e "não são os particulares que têm de resolver o problema da habitação".

António Frias Marques sublinhou que muitas das casas devolutas "estão ao abrigo de contratos de longa duração, em que os inquilinos permaneceram na casa durante muitos anos pagando rendas muito baixas", muitas das quais precisam de obras para voltarem a ser colocadas no mercado de arrendamento.

Para isso, "são necessários milhares e milhares de euros", uma vez que, por exemplo, "para uma casa com 100 metros quadrados, em Lisboa, o preço médio para renovar é de 40 mil euros".

O presidente da associação alertou ainda para o facto de a app poder conter "fotografias de prédios de média e grande dimensão, já com projectos aprovados para serem transformados em hotéis" e que apenas estão devolutos "até se iniciar a construção".

Herança

Os fundadores da app e os proprietários também discordam quanto aos processos de herança.

"Precisamos de legislação que acelere e descongele os processos", defendeu Nelson Vassalo, alegando que não é possível haver "imóveis que estejam parados durante 10, 20, 30 anos enquanto se discutem heranças".

Para Vassalo, é necessária uma reforma fiscal e incentivos para que os processos de herança não se tornem "um impedimento" à utilização destes imóveis, propondo que "as casas que estão em bom estado podem ser arrendadas à força", sendo que "os valores das rendas vão sempre para o cofre da herança".

António Frias Marques lembrou que "já existe legislação" e que as casas "podem ser arrendadas enquanto decorre o processo de herança", mas discordou que esse arrendamento possa ser feito de forma coerciva, o que seria "mais um ataque aos proprietários de casas devolutas que pagam 10 vezes mais" do que o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) aplicado a outros prédios.

Os promotores da candidatura estimam que esta possa ser alargada nos próximos meses às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e, mais tarde, ao Algarve e ao resto do país.

Os proprietários são avisados de que o podem fazer "em relação aos edifícios públicos", mas não em relação aos privados.

"Se a situação se agravar, o departamento jurídico da Associação Nacional de Proprietários vai entrar com uma ação judicial para que este 'site' seja encerrado, porque isso não resolve problema nenhum", disse Antônio Frias Marques.